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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

POEMAS DE LÊDA SELMA

Um silêncio de madressilva
pelos cantos, silva, silva,
e pousa sobre a esfinge
que tenho dentro dos olhos.
...................................................

Silêncio é vastidão do nada
e poesia, um colibri verdourado,
com hálito de primavera,
a polinizar desertos e escuridões.
...................................................
O amor que irrompe da estiagem
é abrupto como um insulto:
acende lareira na alma
e carboniza o coração.
MALFADADA INUTILIDADE


Lêda Selma
Tarde transpirando respingos de tempo abafado, muitas nuvens migrantes e restos de sol derretido escorrendo pela cratera fumegante do céu, de onde brota a singela Aldeia das Querências, cidadezinha simplória, verdadeira pousada de tardes gorduchas de alegria.
No fórum, salas e corredores cobertos por silêncios enormes e sozinhos, mesas já peladas e tão impessoais e um juiz, ex-oficial do exército, homem de hábitos severos e paciência miudinha, preparando-se metodicamente para o fim de mais um acanhado expediente, à espera apenas de que o velho e pontual relógio marche rápido e anuncie logo o toque de recolher.
Vestida com disfarçada sobriedade, muita certeza nos passos e desconcertante segurança na voz, uma mulher de rosto risonho, aparentando uns dois pares e meio de décadas bem distribuídos num físico pequeno e falsamente magro, entra no gabinete do juiz, acena um cumprimento polido, ignora o relógio com suas largas passadas e, ante a não iminência do convite, pede licença para sentar-se, como a buscar garantia para a pretendida audiência. E, para surpresa e estupefação do magistrado, açucara a voz, simula um sorriso cordial e, alteando o olhar, sem a menor timidez, justifica sua presença:
– Flor de Lis (Flor, para os mais íntimos) é meu nome e também é meu o prazer de conhecer de pertinho o senhor. Pois é, meritíssimo, guardei – ah! e como! – esta vontade que tanto me incomodou durante anos até demais, prendendo a irrequieta como se fosse uma meliante. Até que num dia de sol encapetado, vi se alegrar a queixosa, quer dizer, a vontade... Por obra e intercessão de uma simpatia bem feita, em nome de um santo entendedor do assunto...
– E que esse santo faça o que a senhora, até o momento, não me permitiu: entender o assunto que a trouxe, a estas horas, aqui.
– Eu explico. Hã... melhor pensando, explicação miúda, esmiuçada, não convém. Basta o resultado: um homem com cara de quero-mais, de mãos sapecas e, às vezes, sorrateiras, bateu, entrou e, sem qualquer formalidade, engordou os olhos e, de um bote só, abocanhou meu coração.
– Vamos ao fato em si, de forma mais direta, dona Flor de Lis.
– Continuo: rendida espontaneamente, a bem da verdade, tratei logo de trancar a hospedaria e oferecer boas-vindas ao hospedante, que não economizou satisfação nem agradecimentos. E eu, de soslaio, doutor, falei cá com a minha vontade: aguente só mais um pouco que o tempo de fartura chegou e, loguinho, lhe solto as rédeas... Duas semanas depois, eu e o deflorador de coração pusemos os documentos em correria e, quase num trote, fomos atrás do tempo...
– Por favor, seja mais objetiva, senhora, o tempo urge e eu ...
– Pois então, o casamento foi rápido e bonito. Digo, casamento, casamento, só mesmo o da assinatura com o papel, porque o do corpo, aquele de agradar as exigências da vontade... ah! esse ainda está semi-donzelo e ela, a coitada, sim, a vontade, desembestada ao deus-dará, feito uma proscrita. Dá até pena seus queixumes...!
– Afinal, pode ser mais clara e menos prolixa? Tenha paciência: dispense os pormenores...
– Os pormenores, meritíssimo, posso dispensar. Fico só com os pormaiores pra facilitar a compreensão. Pois é, o danado, ele, o quase marido (porque, marido, marido, ele não é) me enganou. Prometeu com os olhos, confirmou com as mãos e, com palavras cheirosas, me garantiu mil travessuras noturnas (e, de bônus, algumas diurnas). E não é que o negaceante descumpriu o prometido?
– Já lhe pedi, senhora, seja menos detalhista. Descumpriu o prometido, pois bem, prossiga.
– Descumpriu. Daquele modelo, doutor: prometeu largo e deu estreito. E já virou repetição: assistência requerida, indeferimento no ato (acho que é a tal lei do menor esforço amasiada com aquela outra, a lei seca). O certo (que tá mais é pra errado) é que, de desserviço em desserviço, toda noite, o arremedo de marido nega serventia.
– E a senhora quer tomar providências...
– É, não dá mais, doutor, pra de novo encarcerar tanta vontade amotinada. E o risco de uma rebelião dos sentidos? Afinal, até hoje, o falso marido só fez, no duro, no duro, aquecimento. E como o homem é sovina! Uma coisiquinha ali, outra quase nunca acolá, uma carícia pequena (e eu sou lá mulher de gostar só de miudezas, doutor?). E por causa dessa ridiqueza – corpo mole, só pode ser – a lesada, digo, a vontade, confiscou minha paciência e ...
– Bom, vamos esclarecer os fatos: a senhora quer se separar do marido por falta de...
– O que é isso, meu Santo Antônio, o meritíssimo malucou? Separação? De jeito e modo. Nem pensar. E juramento meu, doutor, é o quê? Além do mais, do vigário, escutei bem: “até que a morte” e, não, até que a desserventia “os separe” (e quero lá ser mulher disponível e mal- falada?). E marido tem outras utilidades... E não tem?! Então. O que quero mesmo, doutor, é terceirizar os serviços do inativo, e abrir uma franquia, o senhor entende, não entende? Assim, dou ao inoperante outras funções e ao futuro atuante, a tal serventia. Desse modo, nem o folgado se encosta na moleza nem eu, na consumição.
– Será que entendi sua pretensão ou será que meus ouvidos resolveram brincar comigo? Sim, porque, se ouvi mesmo o que ouvi, a senhora está querendo...
– Sua autorização, meritíssimo. Dentro das regras e rigidez da moral. Porque, o que não quero, de jeito algum, é estropiar a lei. Ah! isso não (Santo Antônio me guarde de tamanho desatino. Amém!). Afinal, sou mulher séria e sem a menor mancha no currículo de minha honra. Por isso mesmo, quero tudo oficial, legalizado, no papel com timbre da justiça, carimbo e assinatura de juiz. Concubinada com a lei, doutor, aí sim, aquieto a desassossegada, o senhor entende, a vontade, e deixo o enfastiado, quer dizer, o quase marido, desfrutar de sua malfadada inutilidade...
UM CHECAPE

Lêda Selma

Sala de espera lotada, calor misturando suores e impaciências, tarde ameaçando se recolher mais cedo e o consultório do doutor Zé repleto de consulentes.
– Vim mesmo só pra fazer um checape, doutor. Não que eu esteja sentindo alguma coisa, não, não. Estou bem; mas, depois dos enta (a primeira parte da palavra não vem ao caso, claro!), é sempre bom ter cuidado, não é? Atualmente, não tenho sentido quase nada, a não ser umas dorzinhas de cabeça que costumo atribuir à má digestão: este meu estômago é fogo! Pode ser também enxaqueca ou mal funcionamento da vesícula, do fígado ou do intestino...
– Bem, vamos aferir sua pressão...
– Ah! minha pressão é meio desregulada, mais pra alta; acho que é culpa da taquicardia que me ataca vez sim, vez não; ou quem sabe, devido à falta de ar que sinto quando me ataca a bronquite asmática...
– Certo, vamos aferir a...
– Não é tanto assim, doutor, mas tenho sentido umas agulhadas no pé da barriga, as pernas doloridas e inchadas... problema de ovário ou de rins, naturalmente, porque de circulação não é, embora a minha não seja lá das melhores, já que, não raro, sinto um formigamento incrível nos pés e nas mãos...
– Sei, sei, vamos aferir...
– Umas tonturinhas, doutor, me incomodam de quando em vez; é taxa de glicose um pouco elevada, creio. Calafrios e sudorese, sei, são sintomas de menopausa; chateiam, mas nada preocupante. Ah! sim, as dores nas costas! Certamente, por causa da coluna ou até da osteoporose...
– Pois é, vamos...
¬– Não é dos melhores, o meu apetite e, às vezes, sinto certa fadiga, palpitação, mal-estar generalizado, coisas do estresse ou, talvez, do ciclo menstrual desregrado, já que o maldito está a caminho da aposentadoria compulsória, acredito...
– Então...
– Me peça uns exames só pra controle, afinal, a gente nunca sabe... No entanto, só vim mesmo aqui, doutor, prum checape, questão de rotina, pois estou bem, sem novidades, a não ser o cansaço da vista e uma fisgadinha no ouvido, uma vez ou outra. No mais, tudo sobre controle, quer dizer, quase tudo: minha língua tá cheia de aftas, doutor, e quase não consigo falar...
DOSE DUPLA?!


LÊDA SELMA

Um senhor de idade entrou aflito no Pronto Socorro, com uma moça de uns trinta e cinco anos a tiracolo.
– O problema, doutor, é sério. Dá pena ver essa bichinha sofrer tanto! Uma dor sem misericórdia. Ela tá num padecimento que só.
O médico quis saber da moça que problema tanto a afligia. Mas ela, encolhida nas próprias certezas, olhos assustados e mãos transpirando medo, parecia nada ouvir. Então, o pai, com ares de porta-voz:
– Pedra no rim, doutor, eu acho. Daquelas malvadas; uma bichona das maiores. Veja que judiação: minha filha toda inchada e sem dormir o sono dos anjos, desde ontem. Espie os olhinhos dela, murchinhos. E o descoramento? Parece até que o sangue esbranquiçou e sumiu. Ela desmerece essa consumição. É boa demais a bichinha. Moça recatada, trabalhadeira. Não tem tempo pra si, não tem vaidade nem quentura de moça passada.
– Descaramento, digo, descoramento... Está bem, vamos dar uma examinada nesses rins.
Já vaticinando o diagnóstico, o médico encaminhou-se com a paciente para uma saleta ao lado do ambulatório. Demora vai, demora vem, terminada a tarefa, e antes mesmo de chegar ao consultório...
– E então, doutor, vai pedir uma chapa ou já vai passar o medicamento pra coitadinha se aliviar? Diga-me, por Deus, que não é nada grave. A pedra saiu?
– Grave...? Não, grávida! Da pedra, não dou notícia. O que saiu foi um cálculo renal macho, de uns três quilos mais ou menos, com pulmões bem ativos e reflexos perfeitos...
– Peraí, doutor. Num tô entendendo essa embromação. Minha menina expulsou ou não a pedra? — interrompeu, abobalhado, o velho.
– Pedra... pedra... não. Digamos que ela expulsou o Pedro, um menino de saco rox... epa, melhor, preto! Essa outra já deu muito o que falar...
Realmente, um alvoroço no Pronto Socorro, naquela noite. Desmaios histéricos, contusões conjugais, coma alcoólico... E, de repente, uma senhora gorda, crente fanática, puxando a filha pelo braço, iniciou a consulta como se fosse a paciente:
– Essa menina, doutor, tá muito doente. Acho que é problema de estômago, por causa da vomitação que não acaba mais e do fastio, sabe?
– “Que brincadeira é essa, Nossa Senhora do bom parto?! De novo, não!” – pensou o médico.
Exame concluído, diagnóstico rejeitado pela mãe:
– O senhor não sabe o que diz, doutor. Essa menina não conhece o bicho-mau. Nem poderia: nunca viu ao vivo nem nas fotos as intimidades de um homem. Nesses trinta anos, não se despurificou; temente a Deus, nunca se acalorou com a fome dos sentidos. Safadeza é coisa de moça mundana, sem crença. E intimidade com as intimidades de homem, só depois do casamento. Gravidez é coisa de mulher bulida, doutor. Só se o Espírito Santo despencou das alturas prum plantãozinho rápido, só se foi.
Conversa vai, conversa vem, um argumento aqui, um contra-argumento ali, uma hipótese alhures e um lance providencial de memória escapa da desbulida balzaca:
– Jesus, socorro! Me lembrei do sucedido! Foi no vaso do banheiro da igreja, mãe. Que fatal azar! Senti necessidade de me desapertar, e necessidade daquela natureza não aceita cabresto. Meu Senhor Jesus, moça virgem não pode mesmo titubear: sentou em vaso suspeito, o malfeito, ó, dá o bote...! Coisa do azucrim...
– Não lhe disse, doutor?! Tá explicado. Foi isso: o vaso, aquele maldito, o culpado! Donzela bobeou, o diabo força passagem. A pobrezinha, pra vencer a precisão de aliviar a bexiga ou um outro vizinho próximo, usou o maldito, o vaso; e lá estava a maldição escapulida de algum amaldiçoado.
Com um ar sério, apesar do tom debochado, o doutor apresenta sua versão:
– Acho que para sossegar outra necessidade, que não aceita rédeas até por força da natureza... essa moça inocente, por descuido, sentou-se justo no maldito (que não era o vaso, claro! – disse de si para si). Só que, no maldito, estava o tal, o amaldiçoado. E foi aí que aconteceu a maldição: a “pobrezinha” conheceu o bicho-mau. E o resultado está aí na cara, isto é, na barriga.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Crônica publicada no Diário da Manhã, sábado, 28/8/10

COISAS DA VIROSE...

Lêda Selma

Houve um tempo em que a moda era problema psicológico. “Ah! isso é psicológico!”, dizia o doutor. Depois, toxoplasmose. Certa amiga recebeu o controverso diagnóstico durante uma consulta. E, mesmo ignorante no assunto, percebeu claramente que aquele nome (estranho, perigoso e incomum, à época) nada mais era que um “quebra galho” para seu diagnosticador. Tanto que a rotina, logo, logo, se consolidou: todo mal não imediatamente identificado recebia a “providencial” alcunha. Era raro em uma família, na vizinhança, no trabalho, na escola... não se encontrar alguém acometido da tal doença que, de tão comum, ganhou popularidade e perdeu o status.
Hoje, a moda é virose. Fulano está com virose. Beltrano foi ao médico e este lhe disse tratar-se de uma virose. Massificação igual só no tempo do psicológico e da toxoplasmose...
– Não tô bem, seu dotô. Meu incômodo é a mardita escandescência!
–“Ai, ai, ai, ai, ai, que diabo é isso, meu Deus?” – pensou o médico. E, para safar-se da situação, engrossou a voz e tascou no paciente: – Virose. O senhor tem uma virose.
– Deve de sê, pruquê passei a noite todinha no banheiro descarregando o desarranjo, desocupando os intestino, adjutorado por essa aí que o sinhô disse, a tar vi... vi..., mais conhecida como corredeira, carreirinha, ligeira, penso eu, o senhor entende!
– Ah! sim, o senhor quer dizer diarréia!
– Quero, mas num se avexe não, pruquê gostei muito dessa boniteza aí, a vi... vi... cumo é memo, dotô?
É claro que, muitas vezes, o paciente deixa atabalhoado o médico, em especial o recém-formado (de raízes e vivência metropolitanas), diante de queixas assim:
– Vim, doutor, porque não aguento mais de tanta dor na passarinha!
A saída? Arranjar uma virose para o doente.
– O senhor me ajude, doutor: durmo e acordo com minha pá dolorida.
Que jeito... Virose nele!
– Além da febre interna, do coração batecum, sofro de espinhela caída, doutor.
O jovem médico não titubeou. Tanto mal amontoado, só pode ser virose!
– Vim aqui, por causa da constipação. Comecei a padecer dessa moléstia depois que resolvi aquecer minha espinha. Maldita resolvição! Mal-avisada, saí do banho quente e um vento frio, de tocaia atrás da janela, me pegou bem no jeito... O resultado? Fiquei troncha, torcida, doutor, assim, de través, veja! Num periga ser um início de derrame, ou reumatismo no sangue, hem?!
Melhor, virose, coringa dos bons!
Nesse clima virótico, uma mulher gorda e sisuda chegou à clínica e encontrou a sala de espera lotada também de queixas, doenças, bocas vermelhas, falantes e palpiteiras. Amuada, acomodou-se numa cadeira, lá no canto e, em rodízio, contorcia as mãos e roía as unhas. Solidária, uma senhora aproximou-se e, logo, desentaipou as palavras:
– A senhora tá com jeito de aflita... Que mal lhe pergunte, qual o seu mal?
– Raiva!
– Vixe, Maria! Mordida de cão raivoso?
– Não, dona, de doutor rançoso. Tá vendo isso aqui, tá? Uma pedra do tamanho de um grão de milho, né não? Pois ela quase me matou de dor durante dois dias. Ainda bem que a desgramenta desistiu de apedrejar meu rim esquerdo, e resolveu procurar a saída. De tanto insistir, achou, e, aí, escapou ontem à noite, ufa! E sabe o que o maldito me disse que era? Virose!
– Virose?! Ah! isso me lembra um outro tropeção médico – e que tropeção! –, feio mesmo, daqueles inesquecíveis, de vermelhejar até cara de pau. A tropeçada, minha comadre, Maria da Luz. A pobre fez a consulta, porque sentia fortes dores nas cadeiras, um mal-estar danado, fartura de apetite e de tontura. Nenhum exame lhe foi pedido. Pressão avaliada, batidas do coração conferidas, apertões na barriga, e o diagnóstico: “Virose!”.
– Virgem Santa!
– Nem virgem nem santa! Tanto que, seis meses depois, com 51cm e mais de três quilos, nasceu uma saudável menina. E pra não desfeitear o médico, sabe que nome a comadre deu à filha? Virose!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Poemas esparsos de Lêda Selma

Verdadeiramente livre é a felicidade:
tem o tamanho do sonho de cada um.
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É preferível o silêncio das dores guardadas
e a solidão das saudades envelhecidas
ao rastro indolor do nada.
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No fingimento da verdade inteira,
repartida na mentira em despedaços,
sou poeta.
Dos sonhos dos insanos e insones.
E dos bêbados sem sonhos.

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Todo coração é alcova e sepultura.
Nele, vive um amor,
sobrevive uma ferida
e sofre uma saudade.

CRÔNICA PUBLICADA NO DM, Sábado, dia 21

DE NOVO...?! AH! NEM...!!!
Lêda Selma

Ih! começou o Horário Eleitoral Gratuito, apelidado de Horário Hilarial Gratuito! E é cada candidato a deputado, Deus me tape os olhos e me tampe os ouvidos, socorro! E os nomes, codinominados hilariamente?
As promessas, as de sempre; os discursos, os de antanho; nenhuma alteração, nem no português, recentemente reformado. De novo, o velho, já desgastado demais por blablablás caducos.
A pobraiada ressuscitou uma vez mais. Seus fantasmas sempre ressurgem de quatro em quatro anos! Acho que pensam: “hum! é bem mais chique ou mais convincente todo candidato ser de origem pobre, humilde, trabalhador braçal, engraxate...”. E me pergunto: qual o inconveniente de o candidato ser de linhagem intelectual, rica ou mesmo remediada? Precisa ser pobre de origem? A pobreza, então, é um requisito indispensável? Ninguém mais aguenta essa enganação, essa ladainha, essas caras de pobres fabricados em estirpes humildes, francamente! E se, na verdade, são de origem pobre, já estão muito, muiiiiiiito distantes da tal.
Ah! e as coitadinhas das criancinhas? Está na hora de o Cristo repetir: “Venha a mim as criancinhas!”, para livrá-las dos famigerados lambuzões de bochechas! Redigo: elas já se tornaram alvo dos candidatos, isto é, de seu assédio, com a conivência dos pais, hipnotizados pelos meios minutos de “fama”. As inocentes perderam o sossego. De colo em colo, de braço em braço, de beijinho em beijinho, são mostradas, espremidas, na tela da TV, como fantoches desengonçados. Alheias ao que, de fato, lhes acontece, muitas vezes, choramingam ou careteiam protestos não entendidos pela insensibilidade de seus assediadores. E mais desentendida fico com a omissão daqueles que atuam sob a chancela de protegê-las. Protegem criminosos, com menos de dezoito anos, os tais “menores infratores”, porém, nem tchum às crianças expostas à enganação e à exploração de sua imagem em períodos eleitoreiros.
Não sou contra o Horário Eleitoral Gratuito, se esse valioso tempo fosse aproveitado dignamente, com propostas reais, com metas executáveis, sem as conhecidas negaças, sem a prática da embromação. Santo protetor dos eleitores, não é suportável ouvir as lenga-lengas que ocupam o lugar-comum de sempre. Nenhuma novidade, nada que fuja à senilidade das promessas falaciantes, à renovação de ideias, à viabilidade de bons projetos. E, novamente, ênfase à Santíssima Trindade, reverenciada em tempo de eleição: Educação, Saúde e Segurança Pública, mote para todos os discursos! Gingam na boca dos candidatos, assim, como um samba-enredo fátuo, à espera de aplauso. E nenhum caminho é apontado. Tudo se limita a palavras.
E as figuras hilárias? Cada estampa...! Santo protetor da estética visual, poupe minha visão, por misericórdia! Algumas delas espirram palavras com a rapidez de um busca-pé, palavras sem conteúdo, que não dizem nada. Outras, com o tempo exíguo que lhes é ofertado, insuficiente para, sequer, uma frase, apenas, pronunciam, às carreiras, seu nome, número e... pronto?! Há sentido nisso, por favor, respondam-me?!
Passa ano, chega milênio e tudo permanece inalterado, daí o desgosto daqueles que perdem tempo assistindo à meteórica aparição de vários candidatos. Tempo que deveria ser utilizado para a apresentação deles, para que o eleitor, no mínimo, conhecesse seus ideais e potencial políticos, seus feitos, suas metas. Bendita TV a cabo!
No entanto, ainda sobrevive a expectativa quanto aos debates entre candidatos a postos executivos, tanto no âmbito estadual quanto no federal. Como a esperança, mesmo agonizante, insiste em não morrer, não custa o eleitor esperançar-se. Assim, esperemos o que virá como novo.
Safadino, aquele mendigo esperto, intelectualizado, politizado e safado por natureza e vivência, observador tenaz e amigo de certos figurões políticos, está de olho nos candidatos, e já me avisou que dará seus palpites logo, logo, afinal, é PhD no assunto. Se até enricou por obra e safadeza de uma cadeira de rodas...

domingo, 15 de agosto de 2010

DA SERENATA, À EXCOMUNHÃO


Lêda Selma

Baiano de Brumado, recém-formado médico, aquele jovem de estatura pequena, sorriso graúdo e olhos cor de sertão, saiu daquelas lonjuras e apeou em Goiás, lá pras bandas do norte, com a juventude acesa, os sonhos em disparada e a coragem como timoneira. E chegou já aprontando confusão. Oxente, e foi?
– Esse sujeito tem cara, voz, andar e jeito de comunista – falaram, a esmo, algumas línguas direitistas.
O padre arrepiou. O prefeito tremeu. O juiz da comarca quase perdeu o juízo. Foi o suficiente para o jovem médico subverter seus planos e debandar com as ideias desarrumadas na mochila e os bolsos subnutridos por falta de alguns contos de réis. Aí, a coisa perigou desandar, pois o mundo parecia rodar de ré, em plena contramão, depois do fatídico mal-entendido. Também, pudera: nordestino com tipo de foragido e com pinta de comunista?!
Após longa caminhada a pé, em companhia de solidários amigos, esgueirando-se aqui e ali em busca de novo destino, outra apeada. Um lugarejo pequeno, com jeito de acolhedor, a primeira impressão. E a condição de ficante começou a tomar forma.
– Pode me indicar uma pensão? – solicitou o jovem forasteiro a um goiano sertanejo que, de chofre, informou-lhe a inexistência de tal luxo.
– Que mau começo, hem, Senhor do Bonfim?! – protestou um dos amigos.
– Ora, rapaz, falar no Padroeiro justo agora, no momento em que eu ia sugerir que a gente se remediasse, por esta noite, na zona? – resmungou o outro.
– Vou é procurar algum baiano por aqui, e ver o que consigo – arrematou o jovem médico.
E achou. Hospedagem combinada e estipulada em alguns contos de réis mensais.
– Aceito. Problema solucionado. Pelo menos, um mês está garantido – pensou. Depois, ele que me mande embora, caso eu não arranje o dinheiro. Ah! se eu fosse mesmo comunista... – lamentou sem convicção.
O tempo correu, fungou, comeu poeira até que, certo dia, uma mulher resolve, de madrugada, entrar em trabalho de parto. Ih! trabalho mesmo teve o recém-formado médico, chamado às pressas e por pura obra das circunstâncias. Resultado: cesariana bem sucedida, para alegria do marido, abastado fazendeiro, elevado à categoria de pai “de filho-homem”, para honra e glória de sua macheza. Finalmente, bolsos gordos, bem nutridos.
A intervenção do doutor, já sem o estigma de desacreditado, mereceu farta comemoração, acompanhada de uma serenata que atraiu várias quengas, cujas existências o padre desconhecia. De novo, confusão. No domingo, durante a missa, o padre excomungou nosso herói. Motivo? Era ele o próprio capeta, o criador daquelas mundanas.
Não tardou muito, uma febre altíssima, seguida de tosse e chiadeira no peito, vitimou o tal padre. Conduzido de novo pelas circunstâncias, o doutor, um tanto ressabiado, porém, decidido, chegou à casa paroquial. Antes, entretanto, pigarreou, respirou fundo, pôs na testa o sinal da cruz e, só depois, bateu à porta:
– Ô de casa!
– Quem é? – sussurrou o enfermo.
– O capeta!
Arrepiado, o padre benzeu-se com o crucifixo; ofegante, apontou-o para a porta.
– Abra a porta, quero, isto é, preciso entrar!
Aturdido, o enfermo pediu à empregada que desse entrada ao irreverente chegante; apesar do desconforto, recebeu-o sem muita animosidade. Ah! o crucifixo? Em riste!
Acudido com o maior zelo, o padre, aos poucos, desvencilhou-se da desconfiança e ensaiou um tímido sorriso. E o doutor ali, a auscultar-lhe o peito e os pulmões, a aferir-lhe a temperatura, pressão arterial, a dar-lhe pancadinhas no abdômen... Diagnóstico: pneumonia dupla!
– Voltarei amanhã. Se carecer antes, é só me chamar.
– Aradecido, doutor! A propósito, quanto lhe devo?
– Uma alma recauchutada e branquinha, padre. Ah! e o principal: desexcomungada, visse?! E trate logo de pagar a dívida, porque, caso ocorra um imprevisto, é melhor o senhor partir com a consciência já limpa, hem?!

domingo, 8 de agosto de 2010

IMPLICÂNCIAS E DISCREPÂNCIAS

Lêda Selma

Tenho cá minhas implicâncias. E não são poucas. Ao contrário, tenho-as em fartura. Uma delas, receber telefonemas, interfonemas, visitas antes das dez horas e, em especial, pouco depois das sete, o que nem tão raro é, juro! Aí, Santo Deus, descalibre minhas cordas vocais, desative minha irritação, massageie meus nervos, pois já estou com um arsenal de impropérios engatilhados, à espera de acionamento! Claro! Se vou dormir só quando o sol crispa no céu o primeiro tom de seu riso, querem o quê, que eu acorde logo após?! E o mais bisonho é a pergunta, ao ouvirem minha voz cavernosa, quase fantasmagórica, ainda carregada de torpor: “Te acordei?”. Irra! O palavrão precisa ser amordaçado, senão, pobres ouvidos de meus interlocutores: nocaute na certa! Melhor opção, talvez, a ironia da resposta: “Não, imagine, não me acordou, apenas, arrebatou-me o sono gostoso, despertou-me, desadormeceu-me, tirou-me daquele estágio plácido de descanso, abortou-me belo sonho matinal, surrupiou-me importante tempo de sossego, mas nada significativo, bobagem, tudo bem!”. Entretanto, as lições de boas maneiras, aprendidas na infância, sempre respondem por mim, e então, fica o dito pelo não dito, ou melhor, o acordado pelo desacordado, pronto!
Outra implicância: político lambuzando de beijinhos rostinhos de criancinhas (o diminutivo é proposital) ou balançando-as nos braços, gesto repetitivo, sem nenhuma criatividade – inventem algo mais original, por favor! –, que já se tornou insuportável aos olhos do eleitor. Se pensam que conquistam os votos da mãe, triste engano, ih... já vai longe, bem longe aquele tempo...!
Uma implicância de cunho justiceiro: O “Dia dos pais”! Por que a data não tem a mesma relevância que a do seu colega, o “Dia das Mães”? Na hierarquia comercial, esta data e o Natal são responsáveis pelas maiores alegrias dos comerciantes, que deixam à mostra seus sorrisões falantes e saltitantes, benza Deus, a cada fechamento do caixa! É venda que não acaba mais, alardeiam as estatísticas. Os reais superlotam os cofres das lojas e os bancos, após os depósitos ou investimentos, festejam tamanho milagre materno, já de olho e na expectativa do milagre natalino.
Entremeando os dois, o deslustrado “Dia dos Pais”. Será que, pelo menos, equipara-se ao “Dia dos namorados” ou ao “Dia das crianças”? . Os pais, uns injustiçados, reputo-os.
Tudo bem, “mãe é mãe” – inclusive, sou uma delas, além de apaixonada pela minha (que saudade!!!) – mas pai também é pai, ora, e muitos, não raro, agem feito mãe, e merecem, pois, a mesma badalação, recordes de vendas e todas essas coisas peculiares a tais dias Na carona deste arremedo de gancho, desaconselho a classe masculina a reivindicar o direito ao “Dia do Homem” (não faz muito, todos lhe pertenciam...). Digo-o porque o das mulheres será sempre mais sofisticado, paparicado e festejado. Para que mais uma frustração?! Nenhum caráter machista ou feminista, imparcialidade total e irrestrita, diga-se.
Não endosso as opiniões de muitos quanto ao simples apelo comercial dessas datas. É óbvio que ele existe – alguém tem dúvida?! –, o que não invalida outros valores que também as revestem. O presente – faço, sim, apologia a ele – é também uma forma de carinho, uma manifestação de afeto, um jeito especial de agradar o homenageado. É indispensável! Não substitui o beijo, o abraço, o “eu te amo”, e sim, completa-os. Há quem não possa dar um bombom ou uma flor (até colhida no jardim alheio ou nas árvores das ruas)? São também presentes e, às vezes, até mais valiosos que uma joia. Não existe desculpa para esse deslize.
Aos pais que, neste domingo, comemorarão com seus filhos a data; aos pais que chorarão a falta dos filhos que habitam a Dimensão Maior; aos pais de filhos que, mesmo perto, expõem, com sua ausência, o tamanho da distância que os separa; aos pais adotivos (pais apenas de coração); aos pais presidiários, aos pais de filhos bandidos, a todos os pais, enfim, meu beijo carinhoso, e esta crônica de presente.

domingo, 1 de agosto de 2010

POEMA DE LÊDA SELMA

ESSE TAL DE DIABETES...



Se não fosse o diabetes,
tudo seria mais doce:
sonhos, emoções, amores...
E ela, a glicemia,
bem mais feliz, sossegada.

Tudo o que é bom é doce:
“doce amor”,“você é um doce”,
“doce gosto do prazer”...
E se alegria é de doce,
vida sem alegria é de quê?!

Inventaram (e virou moda!)
a prática dos dietéticos:
diet-fome, diet-gula,
diet-mesa, diet-boca,
dietizaram a vida
e até os diabéticos!

ão fosse a tal glicose,
triglicérides, colesterol...
e o mundo então seria
uma grande sobremesa
de doces, cremes e massas,
pudins e Sonho de Valsa!

Ah! e a vida, que delícia,
sem culpas e sem ressacas,
seria uma lauta fuzarca
totalmente hiperglicêmica!

E atenção, por favor,
misericódia, doutores:
não inventem diet-sexo
tampouco, diet-amor!!!