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terça-feira, 29 de junho de 2010

ORA BOLAS!

Lêda Selma

Bola? Não, não queria ser, de jeito maneira. Até porque ela é gorda, desengonçada, bochechuda. Nem elegante nem estilosa. Menos ainda, se chamada de bolota; aí, vira bola murcha.
Sem dúvida, a dama dos gramados tem poder, o que a faz sentir-se com a bola toda. Sem modos, dá bola a vinte e dois homens, simultânea e levianamente, e rebola, embola-se com eles na grama, passando de mão em mão, de pé em pé, insinuante, em boleios de volúpia, deixando seus súditos às tontas, ou, como se diz no Rio Grande do Sul, “como bola sem manicla”. E assim, com a bola cheia, age, às vezes, como se não batesse bem da bola.
Verdade seja dita: não é fácil ser bola. A pobre não tem sossego: é bolinada, chutada, pisada, manipulada; ora amada por vários, odiada por uns, desejada por tantos, temida por muitos; ora acarinhada, beijada, cortejada. Tudo isso, claro! deixa-a bolada.
Ah! e os vexames por que já passou em função dos mal-entendidos e do uso inconveniente de seu nome!? “O treinador levou bola nas costas”. Sim, e daí? O que a gordota tem com a maldita traição?! Azar o do traído, ora bolas! De outra vez, alardearam: “Ele comeu a bola”! Isso foi demais, que acinte! Um bolodório daqueles, até que a explicação veio: “O jogador é bom, fez jogadas primorosas!”. Que alívio! Mas não parou por aí; de novo, constrangimento: “O novato entrou com bola e tudo”. Baita indelicadeza! A infeliz merecia mais respeito. Entretanto, logo trataram de explicitar: “O atacante, voraz, driblou o goleiro, e entrou no gol com a bola”. Ufa! E o engraçadinho que piadeou: “Hum... aquele lá, engoliu a bola!”. Para sossego da própria, ele se referia somente a uma bela jogada, bonita exibição do companheiro.
Sustos? Alguns. Foi o grito quem anunciou: “Bola ao alto”! Não era de se assombrar? Quem não se apavoraria, imaginando-se assaltado?! Felizmente, tratava-se, apenas, do lançamento da bola entre dois jogadores. Doutra feita, alguém enfatizou: “Bola presa”! Nossa, até a ficha cair, a pobre já se viu algemada. Mas, no rolar da bola, ficou claro: nada mais que simples infração. Agora, susto, susto, ela levou ao ouvir o tom desesperado: “Ai, ai, ai, machuquei as bolas!”. Bem, nesse caso, esclarecimento dispensado. Mas que deu dó, ah! e como deu!
Tudo isso, no entanto, é fichinha perto de certas situações muito piores e que, de uma forma ou de outra, mesmo por tabela, deixam a bola em posição incômoda. Aconteceu quando diversas Excelências, a tevê divulgou, “levaram bola”! Não, não surrupiaram a bola; o tal surrupio foi bolada mesmo, bolada farta, espalhada na cueca, nas meias, na bolsa, na mala; bolada mafiosa, vulgo suborno, ou reforço mensal, conhecidíssimo nosso, nem tão incomum em algumas vertentes políticas, empresariais, judiciárias e policiais. Esses aí, não raro, pisam feio na bola. Alguns mereceram bola preta!
Há também outro tipo de bolada, estilo pancada, que atinge a maioria dos brasileiros, a cada imposto, a cada CPI, a cada sessão extraordinária lá e acolá... É tanta bolação que corro o risco de até trocar as bolas! Deixa pra lá, é tempo de Copa do Mundo e, nela, só cabe euforia, só impera o patriotismo. Bola pra frente, portanto!
A bola da vez, a Jabulani. E, com todo o respeito pelos nordestinos, afinal, sou uma, a dita tem cabeça chata, notaram? Parece troncha, atarracada. Cá pra nós, que jabiraca! Alguém a achou bonita. Eu, hem?! Bom, feia ou bonita, é lépida, e fez muita troça com vários jogadores. Tantas, que os deixou atônitos. Perguntem a Cristiano Ronaldo e aos goleiros. Mesmo assim, de bola em bola, o gol encheu a rede.
A Jabulani, volta e meia, adotou a lei do retorno. Também, pudera: quantas vezes, deixaram a bola quadrada, ora?! Mexida nos brios, vingou-se. E a bola na fogueira, então? Naturalmente, a velocista estressou-se. E, sem paciência, escorraçou seus detratores. Que o digam os franceses e italianos...
Ah! e se eu fizesse um fuxiquinho para a Jabulani, sobre os argentinos?! Um bolaço, hem?!

Ah! que vexame..........

A NOTÍCIA CHEGOU ARRASADORA.

A mulher, em transe, descabelou-se, aos gritos. A vida acabava de lhe enredar num tremendo espinhel... Havia saído de casa no início da semana, para um compromisso familiar, com previsão de volta para o domingo e, antes mesmo de abraçar todos os parentes, a notícia a alcançou, puxando-a para casa com a maior urgência.

O marido, Zé Pio, sem dar um pio, pifou. De vez. Culpado, o coração, por causa da voltagem, há muito, oscilante.

Retorno dramático, o da recém-viuvada. Ih! lembrou-se de repente: a palavra viúva sempre lhe pareceu ter cheiro de mofo e gosto de ferrugem!

A chegada a casa, traumática e encharcada de lágrimas. A vista do quarto do casal, dolorosa. Mas o jeito, preparar-se para as novas funções impostas pela viuvez. E rumar para o cemitério. E foi o que ela fez, com amargura.

Acompanhada de “Ai, meu Deus!”, “O que fiz para merecer isso?”, “O que será de mim?”, entrou na sala do velório e logo se precipitou, aos prantos, transtornada, com a dor vestida de preto, sobre aquela inércia em forma de corpo. E, dele, a saudade já sentia falta.

– Oh! Zé Pio, sou pura consumição! E você, como sempre, se aproveitando de minha ausência para aprontar alguma, né? Por que fez isso comigo, meu nego?! Nossa, você está tão diferente...! – e apalpava o rosto branco do marido, com mãos desentendidas e trôpegas. – Esse bigode... Que bigode é esse, homem de Deus, se você nem tinha bigode?! Por que partir disfarçado assim, queria enganar quem? Diga-me, insisto: onde arranjou esse bigode?

– Comadre, comadre, acalme-se, olhe o vexame! Venha, você errou de velório, criatura! Compadre Pio está é na sala ao lado.

DE CARONA COM O ARAGUAIA

Julho tem cheiro de Araguaia. Tem ritmo de águas rebolantes. De barcos riscando desenhos no dorso do rio, ao som da roncadura de seus motores. Julho tem gosto de verde molhado. De sêmen das aves em revoada de amor. Tem jeito de saudade confinada nas areias que escondem pegadas de silêncios e de amores perdidos. Julho tem odor de natureza no cio. De sol a cavalgar pelos confins das manhãs, como um grande girassol à mercê do vento. Julho tem lua cheia que se esgueira pelas matas e, nua, se banha no rio, feito cortesã seduzida pela noite. E tem estrelas de crinas suntuosas, e barrancos debruçados sobre margens alcoviteiras, e madrugadas abarcando sonhos, sentimentos travessos...
Minha tralha está pronta: vara, molinete, anzóis, iscas, sonhos, caneta, papel e emoção estocada. Agora, é só pegar o caminho do Landi (árvore de folhas cheias de nervuras, flores alvas e madeira forte, também conhecida como jacareúba), que o Rancho Apolo me espera, lá no alto do barranco onde o deus do sol também se arrancha. Ele e toda a natureza que o rodeia exuberante, reverdejando verdes desbotados ou murchos. E a beleza do rio, vestido de paetês e a exibir suas formas sinuosas, coleando feito serpente gigante embalada pela mansidão das horas.
É tempo do milagre da conjunção entre homem e natureza. Tempo de festa das cores, dos vôos, dos cantos. Tempo de andar de barco e, à noite, enchê-lo de luas e de estrelas. Tempo de se deixar tocar pela placidez da água que tanto enleva e terapeutiza. Tempo de reverenciar o rio e toda a sua prole. Tempo de pescar alegria a bordo do Araguaia.
Julho me lembra vida, sobretudo. Nascimento. Maternidade grávida de sol. Espoucar de sonhos. Fascínio do desafio. Luzes. Festa. Choro com som de vida. Julho me lembra férias escolares. Passeios. Viagens. Mar. Julho me lembra aniversário. Churrasco. Alegria ao ponto. Coca-cola gelada. E me lembra, também, saudade. De um menino adorado que se eternizou aos vinte e um anos. Um menino fanático pelo Goiás e pelo Flamengo. Que amava o Pantanal e o Araguaia. E também a poesia. Um menino que chorou todas as vezes que o Brasil perdeu o penta, mas, que, certamente agora, da copa da estrela mais alta e cintilante, torceu pela Seleção e comemorou tão sofrida conquista. Um presente de aniversário, filhote, o penta. Embrulhado com verde-amarelo.
Pois é, Júnior, mais uma vez, aqui está sua mãe revivendo aquele 27 de julho tão único e tão feliz. E a relembrar tantos outros igualmente felizes. Aqui, da sacada do Rancho Apolo, admirando os encantos deste caudal majestoso e de altivo porte. E o milagre da maternidade recompõe o tempo: aninho você em meu colo e lhe apascento os sonhos ao som de uma cantiga de ninar, aquela sua preferida. E já a bordo do Araguaia, vejo minha saudade misturar-se às suas águas, enquanto mais um pôr-de-sol anuncia o espetáculo que começa a cada recomeço.
Dói muito, filho, um 27 de julho tão sozinho de você, feito um rio de águas vazias. Mas, sei, por aí, a comemoração é especial. Muita algazarra, muita folia, som alto e muita bagunça. Uma réplica daqueles aniversários festejados aqui.
Que outro jeito, filho, senão recordar!? O irreversível, aprendi, é passagem sem ponte, é rio intransponível e sobre o qual não se pode navegar. Então, parabéns, meu menino! Que Deus o abençoe e conforte, mais uma vez, esta mãe ainda tão desconsolada.

A copa do sonho, isto é, do som

A COPA DO SONHO, ISTO É, DO SOM

Lêda Selma


Não fui convocada, desta vez, para fazer a “cobertura” dos jogos do Brasil. Após três copas (a última, aquela do vexame não só ronaldiano), minha carreira de “cronista esportiva” não deslanchou. Foi tão próspera como a Seleção Brasileira de 2006. “Poeta da crônica esportiva”, então, só em minha fantasia. Mesmo assim, resolvi abordar o assunto. E por que não?! Sou amante do futebol, torcedora passional, portanto... Tudo bem, só entendo, cá pra nós, a parte poética que envolve o apaixonante esporte. Não é o bastante?
A Copa do mundo é a África do Sul, também, a capital do mundo, pelo menos, até 11 de julho. Todos os olhares e falares direcionam-se para lá, o país da jabulani e da vuvuzela. Deus me livre!, que coisa mais estridente e enfadonha, nenhum ouvido merece! Realmente, um acinte auditivo! Cultura africana...?! Tudo bem, desde que não fira certos princípios de urbanidade. Não é básico que os donos da casa devem, sempre, pensar no bem-estar de seus hóspedes? E as outras expressões culturais representativas, por certo, mais agradáveis e apreciáveis? Como alguém pode sentir-se bem-vindo a um lugar onde o desconforto e a irritabilidade estão à flor do estresse? Perde-se até o prazer de assistir aos jogos nos belos e modernos estádios sul-africanos. E fica a pergunta: tapar os ouvidos para que o som não lhes agrida os tímpanos é uma manifestação de agrado?
E a tal jabulani? Parece, ganhou mais asas que suas antecessoras. Asas turbinadas que lhe dão a velocidade de um falcão-peregrino. Ah! também ganhou patas! Feito um guepardo, a gordota, em trajes estampados, corre desembestada, deixando atônitos seus súditos. E eles, para domá-la, fazem de tudo: beijam a amada, acarinham-lhe o corpo, aconchegam-na em seus braços até que, impacientes, chutam a pobre como se quisessem se livrar dela. Então, seus olhos e mãos estendem-se aos céus, em súplicas. E, como a vuvuzela já deve também ter atazanado os ouvidos divinos, coitado do Pai, com tanto incômodo!
O menor número de gols da história das copas está na de 2010, pelo menos, na primeira rodada, apontam as estatísticas. Que ridiqueza de gols, credo! Uma Copa desalmada, afinal, o gol é a alma do futebol! Será por causa da vuvuzela e da jabulani? Alguns culpam também a baixa grama dos bonitos estádios, e desconfiam que ela se mancomunou com a bola, tornando-a mais veloz a qualquer contato com seu verdume. É, mas Alemanha, Argentina e Uruguai não lhes deram trela.
Com tantos “vilões” em ação, o Brasil estreou. No primeiro tempo, desentendida e confusa, perguntei: os jogadores estão brincando de estátua?! E meu grito não se fez de rogado: ei, Kaká, o passe é para seu companheiro, acorda, bonitinho! Bonitinho... Hum, heurequei: no futebol, beleza não é fundamental, então, cadê o Grafite, ó Zangado, isto é, Dunga?!
O segundo tempo, um pouco melhor, e, apesar dos muitos erros de passe, de lançamento, de chutes, goooooool! Só dois?! Santo Deus, é pouco! Não me importa se de trivela, de canela, de bico, de letra, de placa, quero gols! Antes que meu pedido chegasse a seu destino, a Coreia corou a desatenta defesa brasileira: gol! Socorro! Espere aí: estou reclamando de quê?! O Brasil não ganhou os três pontos, não é líder do seu grupo? Que venha a Costa do Marfim, de preferência, sem costas largas!
Uma Copa de futebol insosso, esta. Acho que faltou o Leão do Goiás para dar jeito na rapaziada. Uma Copa de surpresas, sem dúvida. A começar pela ausência da Zebra, reparei, em alto som. Ih! o anjinho caduco, aquele que só diz amém, amém, amém... ouviu-me (juro, foi sem querer!). E a fulana apareceu. Azar da Espanha, que recebeu a maldita visita listrada. Mais uma vez, com panca de favorita, a seleção espanhola não deu o seu “olé!”. Ao contrário, tomou uma limonada suíça daquelas!
Já que estava na área, a Zebra soltou-se de vez, já na segunda rodada. Deu à França dose cavalar de tequila. Quem mandou a espertinha arrombar a porta dos fundos e assaltar a Irlanda?! Alemanha, serva da Sérvia?! Quem diria?! Mas, vaiada mesmo, só a Inglaterra, que saiu no lombo preto-e-branco da tal desmancha-prazeres.
Até agora, não vi poesia nos pés ou na cabeça dos jogadores. Ou melhor, Robinho fez uns versos. Maicon e Elano, os gols. E eu, esta crônica que, prevejo, incitará os entendidos a resmungarem: ela não entende nada de futebol! E eu, ó, nem tchum pra eles!

Mãe não morre

MÃE NÃO MORRE...

Lêda Selma


Mãe não morre, diviniza-se.
Transmuta-se em estrela,
e se faz sol na escuridão.
Mãe não morre, poetifica-se.
E, no vaivém das lembranças,
se torna saudade e silencia o vazio.
Mãe não morre, apenas,
repousa no sonho
e acorda beija-flor.