È NATAL E TUDO SE REPETE
Lêda Selma
Chegou o Natal, mais um Natal e, com ele, ritos e mitos. Em seu bojo, algumas esperanças caducas, desejos senis e a paz, em sua brancura vermelha, apenas, um vulto baço perdido nas trincheiras que, no decorrer dos tempos, amotinaram ódios, disputas, megalomanias, loucuras mundo afora. Apesar de tudo, o Natal ainda ostenta o símbolo da fraternidade e da fé que encena a ceia com Cristo, o aniversariante do dia, mas, na realidade, quase sempre, o menos festejado e presenteado. Enquanto isso, o comércio comemora seu “Papai Noel” particular e gordalhufo.
Com o Natal, os corações se abrem (e os espíritos...?!) e, em polvorosa, desenham sonhos luminosos, expectativas instigantes, momentos especiais. Afinal, Papai Noel é um mago de cabeleira, barba e promessas alvadias e envelhecidas, mas de vigor sempre aceso. E, a cada ano, com crise ou sem crise, o comércio se alvoroça e dá um jeitinho de enfeitiçar crianças e adultos que, em transe, se preparam para o banquete das compras, enquanto os problemas, numa fuga em massa, recolhem-se em asilos provisórios, pois nenhum desmancha-prazeres é bem-vindo em tempos de festejos natalinos. Todavia, o acinte da miséria permanece deitado sobre as calçadas, expondo, à sociedade, homens-molambos carentes de dignidade e de cidadania, banqueteando-se com a fome, com a exclusão, com o vazio das mãos estendido ao sabor do sol e das estrelas, as únicas luzes de seu Natal.
Natal é tempo de impossíveis, de neve em pleno verão, de renas tropicais, de bons velhinhos saracoteantes e incansáveis, de chaminés em espigões, enfim, é tempo de bolsos mágicos, de dribles desconcertantes do comércio sobre os incautos consumidores, de alegrias e realidades mascaradas. Apesar de tudo, é Natal, e Natal instiga sentimentos, encontros, comemorações, esperanças, promessas, embora, muitas vezes, o aniversariante do dia, o Menino Jesus, nem seja lembrado. Que se repense isso neste dezembro natalino.
Fascina-me o Natal e todos os seus ritos e mitos. É quando tiro os sapatos, desmancho as tranças de minha criança interior e deixo-a patinar, planar, lambuzar-se de estrelas, de Sonho de Valsa, e traquinar no reino da fantasia, sem limites. Espero os presentes – encanta-me adivinhá-los, desembrulhá-los, sabê-los meus –, unjo-me com as cores e luzes da árvore natalina e divirto-me com as surpresas deliciosas da noite. Mesmo que as lembranças, enxeridas como sempre, cutuquem a saudade para que me desassossegue. Aí, o vazio ameaça abocanhar-me, porém, o feitiço do Natal hipnotiza-me com um sonho de faz de conta: meu filhote, ali, a festejar comigo cada momento.
Muitas são as caridades acontecidas no Natal. Hospitais, creches, abrigos... recebem doações de toda a espécie e de muitas mãos e, assim, participam da alegria momentânea que caracteriza a fugacidade das festas de fim de ano. Isso é muito pouco. Afinal, não é só no Natal que a fome, a desesperança e o sofrimento clamam por socorro. Que se doem alegria, alimento, oportunidade, trabalho... durante o ano e não, apenas, no Natal.
Apesar de tudo, dezembro exala alegria e enfeita-se com as vestes natalinas para cultuar uma tradição que tem a idade de Cristo. Liturgias, ceias, presentes... é Natal! E quero também muito amor, bens espirituais, pessoas solidárias, amadas, batalhadoras. Quero crianças carregando sonhos, sem a remela nos olhos que lhes embaça o futuro. Quero jovens livres das drogas, das grades, quero mães sem filhos assassinados ou desaparecidos, quero jornais sem letras de sangue, quero sol no dia seguinte e saudades sem ferrões. Ah! e quero também presentes!
Por falar em presente, o meu, um poema:
Volta a Estrela,
florejam os gestos
e no abraço da prece
restos de riSOS
com marcas da veste
do Cristo que chega.
Sonhos se alongam,
o Menino renasce
em rostos sem nomes,
em rastros descalços
de cristos-meninos,
cristos com fome.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Diário da Manhã - 18/12/2011
QUANTOS FURDUNÇOS JÁ PROVOQUEI!
Lêda Selma
Que sou distraída, que me desligo às vezes, que sofro uns apagões inacreditáveis, que perco tudo dentro e fora de casa, é sabido, aliás, mais que isso, é notório. Tanto que, não raro, sou lembrada pelos óculos que, durante mais de hora, procurei desesperada e, ao final, encontrei-os no lugar de onde não saíram: meus olhos. Sapatos, então... Com eles nos pés, já desmontei um guarda-sapatos enorme no afã de encontrá-los.
Outro fato, para muitos inconcebível, minha entrada no elevador de um hotel em Recife, e cuja subida empreendi ao lado de dois cavalheiros, um moreno e outro de cabelos grisalhos, os quais alegremente cumprimentei com simpático e turístico ‘bom-dia para vocês!’. O detalhe intrigante: o de cabelos grisalhos era meu marido (há 41 anos), mas só me dei conta, ao ser abordada por ele, desentendido, à porta da suíte: “O que deu em você, no elevador?”. Confusa, confessei: não o reconheci, ora! Dizem que esse é meu recorde. Será?!
Alguns creditam tal status àquela do casal que, a meu pedido, me seguiria, após sairmos de uma festa, até a porta do prédio em que resido. Tudo bem, e daí, qual o problema? Bem, não haveria nenhum se eu, a alguns quarteirões de casa, instigada pelo medo que me impingia a sensação de alguém estar me seguindo, não houvesse acionado a polícia. Isso mesmo, a polícia! Pois é, acionei-a. Sob a alegação de que certo carro preto (melhor, afro-descendente), dirigido por um suspeito, acompanhado de seu cúmplice, estava no meu encalço com o determinado propósito de assalto ou sequestro. Ainda bem, a luz alta do carro do ‘provável’ assaltante/sequestrador, seguida de chamada para meu celular (“missão cumprida, boa-noite!”), desmanchou tamanho equívoco. Embora aliviada, nem me lembrei de agradecer a gentileza do casal. Só dia seguinte. Até hoje, os dois desacreditam daquele meu “antológico branco”, como o catalogaram.
Um furdunço e tanto promovi, convenhamos. Aliás, promovo. Afinal, não sou parcimoniosa na arte de perpetrá-los. Tanto que, de outra feita, minha filha incumbiu-me de segurar uma sacola, na qual havia um par de sapatos de grife, recém-comprado no shopping, enquanto efetuaria um pagamento no caixa eletrônico. Solícita, acatei o pedido e dirigi-me a uma loja; dei uma olhadinha básica nas vitrines e coloquei, displicentemente, a incumbência, ou seja, a sacola, sobre o balcão e deixei meus olhos e minha curiosidade desfilarem ali e acolá. De repente, percebi uma sacola sozinha sobre o balcão, modelo esquecida, abandonada mesmo, e avisei à moça do caixa: alguém esqueceu esta sacola aqui. Não me bastasse isso, resolvi perguntar às pessoas da vizinhança: esta sacola é sua? E sua? Ei, está procurando uma sacola? Ante tantas negativas, sugeri à funcionária da loja que recolhesse a esquecida até que a dona fosse buscá-la.
Minha filha voltou, e, ao nos dirigirmos à escada rolante, a surpresa: “Mãe, cadê minha sacola?!”. Acordei. Hum... a tal sacola...! Ih! estou perdida! – concluí. Refeita do susto, o jeito, dizer-lhe: corre, filha, pois, se ninguém decidiu portar-se de forma desonesta, e se a atendente aceitou minha sugestão, pode ser que ainda encontre sua sacola.
O pior foi a reação da moça do caixa que, em estágio máximo de estranheza e cheia de suspeitas, esbravejou: “Como assim, sua mãe deixou a sacola no balcão, se ela, de corpo presente e em viva voz, perguntou à loja inteira de quem era a maldita?! E você me vem com esta agora?! Francamente!”. Fui salva, e a reputação de minha filha também, pelo comprovante de compra da sapataria, ufa!
Lêda Selma
Que sou distraída, que me desligo às vezes, que sofro uns apagões inacreditáveis, que perco tudo dentro e fora de casa, é sabido, aliás, mais que isso, é notório. Tanto que, não raro, sou lembrada pelos óculos que, durante mais de hora, procurei desesperada e, ao final, encontrei-os no lugar de onde não saíram: meus olhos. Sapatos, então... Com eles nos pés, já desmontei um guarda-sapatos enorme no afã de encontrá-los.
Outro fato, para muitos inconcebível, minha entrada no elevador de um hotel em Recife, e cuja subida empreendi ao lado de dois cavalheiros, um moreno e outro de cabelos grisalhos, os quais alegremente cumprimentei com simpático e turístico ‘bom-dia para vocês!’. O detalhe intrigante: o de cabelos grisalhos era meu marido (há 41 anos), mas só me dei conta, ao ser abordada por ele, desentendido, à porta da suíte: “O que deu em você, no elevador?”. Confusa, confessei: não o reconheci, ora! Dizem que esse é meu recorde. Será?!
Alguns creditam tal status àquela do casal que, a meu pedido, me seguiria, após sairmos de uma festa, até a porta do prédio em que resido. Tudo bem, e daí, qual o problema? Bem, não haveria nenhum se eu, a alguns quarteirões de casa, instigada pelo medo que me impingia a sensação de alguém estar me seguindo, não houvesse acionado a polícia. Isso mesmo, a polícia! Pois é, acionei-a. Sob a alegação de que certo carro preto (melhor, afro-descendente), dirigido por um suspeito, acompanhado de seu cúmplice, estava no meu encalço com o determinado propósito de assalto ou sequestro. Ainda bem, a luz alta do carro do ‘provável’ assaltante/sequestrador, seguida de chamada para meu celular (“missão cumprida, boa-noite!”), desmanchou tamanho equívoco. Embora aliviada, nem me lembrei de agradecer a gentileza do casal. Só dia seguinte. Até hoje, os dois desacreditam daquele meu “antológico branco”, como o catalogaram.
Um furdunço e tanto promovi, convenhamos. Aliás, promovo. Afinal, não sou parcimoniosa na arte de perpetrá-los. Tanto que, de outra feita, minha filha incumbiu-me de segurar uma sacola, na qual havia um par de sapatos de grife, recém-comprado no shopping, enquanto efetuaria um pagamento no caixa eletrônico. Solícita, acatei o pedido e dirigi-me a uma loja; dei uma olhadinha básica nas vitrines e coloquei, displicentemente, a incumbência, ou seja, a sacola, sobre o balcão e deixei meus olhos e minha curiosidade desfilarem ali e acolá. De repente, percebi uma sacola sozinha sobre o balcão, modelo esquecida, abandonada mesmo, e avisei à moça do caixa: alguém esqueceu esta sacola aqui. Não me bastasse isso, resolvi perguntar às pessoas da vizinhança: esta sacola é sua? E sua? Ei, está procurando uma sacola? Ante tantas negativas, sugeri à funcionária da loja que recolhesse a esquecida até que a dona fosse buscá-la.
Minha filha voltou, e, ao nos dirigirmos à escada rolante, a surpresa: “Mãe, cadê minha sacola?!”. Acordei. Hum... a tal sacola...! Ih! estou perdida! – concluí. Refeita do susto, o jeito, dizer-lhe: corre, filha, pois, se ninguém decidiu portar-se de forma desonesta, e se a atendente aceitou minha sugestão, pode ser que ainda encontre sua sacola.
O pior foi a reação da moça do caixa que, em estágio máximo de estranheza e cheia de suspeitas, esbravejou: “Como assim, sua mãe deixou a sacola no balcão, se ela, de corpo presente e em viva voz, perguntou à loja inteira de quem era a maldita?! E você me vem com esta agora?! Francamente!”. Fui salva, e a reputação de minha filha também, pelo comprovante de compra da sapataria, ufa!
sábado, 3 de dezembro de 2011
Diário da Manhã - Dia 3/12/11
E AGORA, “SENHOR”?
Lêda Selma
E agora, VERDÃO?
O campeonato acabou,
a luz apagou,
a torcida sumiu,
a esperança esfriou,
e agora, VERDÃO?
E agora, Você?
Você que tem nome,
que zomba dos outros,
você que faz gestos,
que vinga, persegue,
e agora, “Senhor”?!
Está sem discurso,
está sem caminho,
já não pode gritar,
tripudiar já não pode,
o engodo pifou,
a Série A não veio,
o sonho não veio,
o riso não veio,
não veio a coragem,
tudo secou,
a dignidade mofou,
tempo esgotado,
entende, “Senhor”?
E agora, “Senhor”?
Sua rude palavra,
seus instantes de fúria,
sua tirania e arrogância,
sua megalomania,
sua sanha por louros,
seu trono de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, sua gana,
pois é, convenhamos,
a verdade matou.
“Senhor”, e agora?
Com a chave na mão
quis trancar a porta,
mas o esmeraldino
fez nascer o grito,
no secar do sonho
do alviverde aflito,
que sofreu demais
lá na Segundona.
E agora, “Senhor”?!
Se você parasse,
se você deixasse
o VERDÃO em paz,
se você cansasse
dessa obsessão
que sufoca e atrasa
o pobre Goiás,
mas você não cansa,
quer seguir seu tino,
você é duro, “Senhor”!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem o discurso tolo
para se escorar,
sem a mentira nua
para se safar,
só vassalos tontos
ficam ao seu lado
com o AMÉM na língua
para o louvar.
E o VERDÃO da Serra,
relegado às traças,
por sua obra e graça,
que vá se danar!
E agora, “Senhor”?
Que fuja a galope,
“Senhor” dos punhais,
este tempo triste,
marcado por nódoas,
e não se constranja
de o fazer também,
para que o VERDÃO
possa se salvar.
É agora, “Senhor”!
Cada um, Drummond, tem o seu “José”.
Lêda Selma
E agora, VERDÃO?
O campeonato acabou,
a luz apagou,
a torcida sumiu,
a esperança esfriou,
e agora, VERDÃO?
E agora, Você?
Você que tem nome,
que zomba dos outros,
você que faz gestos,
que vinga, persegue,
e agora, “Senhor”?!
Está sem discurso,
está sem caminho,
já não pode gritar,
tripudiar já não pode,
o engodo pifou,
a Série A não veio,
o sonho não veio,
o riso não veio,
não veio a coragem,
tudo secou,
a dignidade mofou,
tempo esgotado,
entende, “Senhor”?
E agora, “Senhor”?
Sua rude palavra,
seus instantes de fúria,
sua tirania e arrogância,
sua megalomania,
sua sanha por louros,
seu trono de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, sua gana,
pois é, convenhamos,
a verdade matou.
“Senhor”, e agora?
Com a chave na mão
quis trancar a porta,
mas o esmeraldino
fez nascer o grito,
no secar do sonho
do alviverde aflito,
que sofreu demais
lá na Segundona.
E agora, “Senhor”?!
Se você parasse,
se você deixasse
o VERDÃO em paz,
se você cansasse
dessa obsessão
que sufoca e atrasa
o pobre Goiás,
mas você não cansa,
quer seguir seu tino,
você é duro, “Senhor”!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem o discurso tolo
para se escorar,
sem a mentira nua
para se safar,
só vassalos tontos
ficam ao seu lado
com o AMÉM na língua
para o louvar.
E o VERDÃO da Serra,
relegado às traças,
por sua obra e graça,
que vá se danar!
E agora, “Senhor”?
Que fuja a galope,
“Senhor” dos punhais,
este tempo triste,
marcado por nódoas,
e não se constranja
de o fazer também,
para que o VERDÃO
possa se salvar.
É agora, “Senhor”!
Cada um, Drummond, tem o seu “José”.
Assinar:
Postagens (Atom)