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domingo, 11 de março de 2012

Diário da Manhã - 11/3/2012

RETOQUE NO CASAMENTO...?


Lêda Selma

Padre Rocha, não afeito a excessos afetivos e a ostentações de carinho, conquistava sua messe com seu jeitão sincero e impulsivo, sem meias palavras ou entrelinhas. Não sugeria nem metaforizava, era direto e sucinto, no mais puro baianês. E se um “filho” ultrapassasse as cercas da moral, o jegue torcia as fuças, balançava o rabo e preparava o coice.

A batina, tão antiga quanto o dono, tinha a medida de sua precisão, incluído um bolso interno, aconchego para a “safada”. Calma, o padre era celibatário convicto! A tal aconchegada? A garrafa de cachaça, também conhecida como capote de pobre e suor de alambique.

Certa vez, o médico aconselhou o padre a só beber uma dose ao dia. E ele, de pronto, aquiesceu: trocou o copinho de bar por um copo americano. A dose era mesmo diária: o copo cheio. De outra, proibido de ingerir a piribita, foi flagrado com um litro da própria, no esconderijo batinal. E foi logo à justificativa: “Estão olhando atravessado por quê?! Esta pinga é para curtir pimenta malagueta; depois, só tomo o caldinho, oxente!”. Detalhe: no litro quase cheio, jazia apenas uma solitária malagueta. Ah! e ai de quem o tivesse por cachaceiro! “Cachaceiro é quem fabrica cachaça, oxente!”, furibundava.

O casamento de Virgelina, uma lindeza! Festa grande, do tamanho das terras do seu pai, rico fazendeiro.

A sociedade de Espinosa, cidadezinha que separa o norte de Minas do sudoeste baiano, no caso, minha Urandi, preparava-se para atravessar o rio Verde, divisa dos municípios, para assistir ao casamento de um seu filho ilustre com a não menos ilustre herdeira do abastado fazendeiro urandiense. E, para fugir dos imprevistos, quase sempre previsíveis (como um gole a mais do caldo da malagueta curtida), severa vigilância foi montada, durante todo o dia, nas imediações da casa paroquial.
Tudo caminhava bem até que o céu se encheu de negrume e, de sua garganta, grunhidos assustadores anunciaram um toró de meter medo.

– Vai trovoar até o dia aparecer, amanhã, com cara de abilolado – palpitou alguém.

– E bem no dia do casamento da caçula? Santo Deus, é sinal de desando, de azar! – afligiu-se a mãe da noiva.

– Vou falar com o padre – anunciou o pai, com ar de descrença.

– O casamento foi marcado para hoje? Então, será hoje – esbravejou o padre, sacudindo os paramentos como se os desamassasse.

– Mas a chuva inundou a ponte, padre, e o noivo não tem como chegar aqui...

– O que eu tenho a ver com ponte ou com chuva? Resolve isso com quem despachou a intrometida para cá, e provocou todo esse bolodório, ora! Daqui a pouco, farei a celebração. Quero todos lá, para as bandas da ponte, em uma hora.

A noiva e seus convidados, em trajes de gala respingados de lama, encontraram-se às margens do rio, cuja ponte, completamente alagada, inviabilizava qualquer transposição. Do outro lado, o noivo e seu séquito e a mesma impossibilidade.

– Se os noivos, o padre e as testemunhas estão presentes, e Deus já mostrou que também está, nada de embromação. Darei início ao ato religioso, que é da minha conta; o outro, da conta dos nubentes, seja o que a chuva quiser. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Estamos reunidos para a celebração do casamento de Virgelina e Constâncio. Vocês vieram aqui, isto é, ela aqui e ele lá, de livre e espontânea vontade, para se unirem em matrimônio?

– Sim, padre! – a resposta dos desolados noivos.

– Ih! esqueci a água benta! Mas serve a da chuva mesmo! Benzerei a aliança da noiva e, simbolicamente, a do noivo... O que Deus uniu não o separe o homem e, menos ainda, a chuva ou a ponte! Trate o noivo, logo, de arranjar uma pedra ou garrafa. Agora, amarre no arranjado o dinheiro devido a esta cerimônia, e jogue para cá, com muito cuidado.

– Padre, esta celebração valeu?

– Melhor, quando Deus der bom tempo, e a ponte, permissão, passarem lá na igreja para um retoque na cerimônia.

Momento poético:

Viver é extrair dos sonhos
até mesmo suas fuligens.

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