UMA QUENGA DAS BOAS
Lêda Selma
– Olhe, amigo, ontem me refestelei como há muito não fazia.
– E foi? E a refestelança se deu de que modo, homem?
– Do modo que todo homem merece, ora!
– Virgem, e foi?! Mas que mal pergunte ao amigo, como foi?
– Vou principiar pelo início. Bote tento e aguce os ouvidos, hem!?
– Tento boto, e redobrado, e os ouvidos já afiei. O amigo principie.
– Primeiro, escolhi a pretendida. Então, montei o cerco, fiquei
de vigília e encantoei a danada.
– Hum!... a danada, é? E aí, danou-se!
– Nem tanto. Já na primeira investida, ela se esquivou e fugiu...
– Quer dizer que a danada pôs a fuga no trote e desfeiteou o amigo!?
– Mas insisti. E de novo. Corre aqui, escapa ali e ela esperneando...
– E entre um esperneio e outro...
– Segurei com força a bendita que, desassossegada, arrepiou e
rebundeou...
– E entre um arrepio e um rebundeio...
– Ela se rendeu.
– Rendida, rendida, em seus braços, siô?!
– Também, pudera: eu ali, resolvido, com o fôlego alterado, o
desejo pidão...
– Um felizardo, o amigo! Aí num quieto, num calado, sonso que só...
– Ah! e que coxas, criatura! De aguar a boca, os olhos, a vontade...
– Principalmente, a vontade...
– Bem, vou desativar o princípio e ativar a continuação...
– Virgem, e é aí que a coisa vai esquentar...
– Ainda não, se aquiete! Antes da esquentação, tem o ajeitamento, ora!
– Bem lembrado. Ao ajeitamento...
– Dominei a fulana e, no maior capricho, apalpei tudo e deixei
a tal peladinha.
– Que suadeira, amigo! Pe-la-di-nha, peladinha?! Desnuadinha? Em pelo?
– Em pele. Pele e carne. E quanta abundância...! A peitaria, então, que fartura!
– Valei-me, protetor dos invejosos! Farta, sim, é a inveja que
me desarvora...
– Compostura, homem...!
– Sim. Mas deixe de lado a continuação e chegue logo na consumação.
– Se acalme! A pressa é inimiga da detalhação. Como lhe dizia...
– Peladinha, com as coxas, peitança e abundâncias a seu dispor...
– Eita gastura a sua, homem! Ajeite o desajeitado e me escute, criatura!
– Bem sugerido! Então, pe-la-di-nha... Ai, o que abunda sempre agrada!
– Pois bem, nuinha e no ponto pra virar quenga! Uma quenga corpuda, deliciosa...
– Quen...ga?! Assim, quenga, quenga?!
– Quenga, homem, quenga! E quenga de primeira.
– Modelo quengão? Quenga gostosa, cheirosa, carnuda...
– Quenga de primeira, das melhores. Encorpada, aloirada, cheia de suculências e quenturas...
– Minha Virgem, por piedade, uma sobrinha que seja! Ih! não é de bom tom abordar tal assunto com uma virgem, ainda por cima, santa! A senhora me desculpe o mau jeito...!
– Sobrinha? Que mal há? Afinal, somos amigos. Por que não...?
– “Por que não...?” O amigo quis dizer o quê?
– Que vou lhe ceder a quenga!
– O amigo descerebrou!
– Ela está ali, ó, no descanso... E quenga dormida é boa por demais...
– Minha Virgem, acuda o homem maluquecido! Me ceder sua quenga?!
– Sim. Ou o que restou dela. Depois de ontem à noite...
– E que noite, posso até imaginar...!
– De revirar os olhos! Ela sobre a mesa, remexendo-se, hum,
ao mais simples contato...
– O quê...?! Em cima da mesa? O amigo, pelo visto, abusou...
– Até me fartar, ufa! E, como lhe disse, a quenga é sua agora.
Dê um trato na dita e sacie seu desejo!
– O amigo perdeu de vez a compostura?! O que é isso?! Me ceder a quenga depois de uma noitada...! Se atipe, siô! Essas modernidades me assustam, ora se não!
– Deixe de colisa! Ande, a gostosa está à sua espera! É só afogueá-la e...
– Pare de troçar comigo, moço! Vê se pode: eu e a quenga do amigo, em sua própria casa!
– Eu mesmo vou reanimar a cheirosa e deixá-la no jeito pra você, sossegue!
– Espere aí! O amigo extrapolou e até me ofendeu. Liberdade tem fronteiras.
– Tome tenência, homem, e venha logo, venha, venha se adonar da saborosa...
– Me adonar da... Por favor, amigo, judiação tem limite! Já vou é embora. Até!
– Espere, calma! Se adonar, sim, da galinha, homem leso, que virou quenga ou, se preferir, engrossado de fubá! Bom apetite!
Momento poético:
Pelo quarto,
meu vulto polarizado,
meu perfume (feitiço de cobra)
e um poema sem segredos.
A ferida vermelha
– bem aqui do lado esquerdo –
fechou a dor e degredou
buscas e sonhos embrionários.
No roupeiro,
o vestido de linho
e a camisola de seda
dizem tudo de mim...
Querida prima e poetisa Lêda Selma, “Uma quenga das boas” prendeu-me da primeira à última palavra. Afinal, meu DNA nordestino se identifica com esse tipo de prosa. A expressão “quenga” era frequentemente dita por meus pais, tanto quanto se referiam a meretriz, quanto a coisa imprestável.
ResponderExcluirValeu!
Bjs, Iracema
Li num só fôlego, ansioso, devorando cada palavra. Leitura agradável e divertida. Parabéns pela crônica. Gostei muito ! Vou compartilhar.
ResponderExcluirEstou seguindo o Blog. Me aceita lá no Facebook também ? Fiz o convite lá.
Sou também escritor ( ou melhor, aspirante a escritor rsrs )
Autor dos livros A PASSAGEM DOS COMETAS e GRITOS E GEMIDOS.
Saudações !
Oi, Edir, desculpe-me o atraso, mas tive problemas sérios com o computador, rede, etc., daí meu sumiço e consequente desatualização do blog. Obrigada por visitar-me e pelos comentários generosos. Ih!... não sei lidar ainda bem com o facebook, tentarei achá-lo lá. Abraço. Lêda
ResponderExcluirOi, Edir, desculpe-me o atraso, mas tive problemas sérios com o computador, rede, etc., daí meu sumiço e consequente desatualização do blog. Obrigada por visitar-me e pelos comentários generosos. Ih!... não sei lidar ainda bem com o facebook, tentarei achá-lo lá. Abraço. Lêda
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