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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

UM PATUSCO SACRISTÃO

Lêda Selma


Certo jovem, após realizar seu sonho de atuar como sacristão, passou uma chuva na igreja. Para estabelecer um pouco mais de intimidade com São Jorge, vistoriou o santo, mediu-lhe a espada e, nesse bole, rebole, assustou-se com um cofrinho que parecia esconder-se atrás da imagem.

– Espertinho, hem, Jorjão, escondendo a abastança, né?! E eu precisando tanto dessa gaita... Um empréstimo... e por que não? Sim, só um empréstimo. Juro pela alma de minha ex-quase-sogra, a nem um pouco saudosa dona Valentina, mãe da Alma (sempre estranhei este nome, cruzes! Até lhe dei um apelido: Coração), moça dotada de formosura e de virgindade, por quem tive um xodó de passagem. Mas que conversório é este, homem, vamos à facada, isto é, à espadada, não, não, ao empréstimo. O senhor me favorece com sua bondade e eu lhe retribuo com generosidade: uma espada nova – por conta dos juros – quando lhe devolver a mufunfa. Grato pelo consentimento, sim, quem cala... Sua bênção, sua licença e agradecido pelo empréstimo!

Tempos depois, numa noite de pele suada, o sacristão, tombado não só como patrimônio da cachaça, ouviu batidas na porta. E sentiu arrepios:

– Abra a porta, homem, sou eu, Alma, lembra? A Alma, da finada dona Valentina, já esqueceu?

“Danou-se: é ela, a injuriada alma da maldita, por quem jurei e, de propósito, nomeei minha avalista. Não abro e é nunca o ferrolho da porta – decidiu, de si para si, tropegando nas raquíticas palavras. Passado o susto, encorajou-se, e decidiu enfrentar o suposto fantasma:

– Não me lembro de nada. Vai-te embora, alma desgarrada! E que o diabo te leve. Meu negócio é com São Jorge, e não aceito procurador!

Passados alguns dias, um antigo vizinho, de nome Jorge, resolveu procurar Sacristiano, pois, semanas antes, haviam combinado matar um porco, daqueles engordados à meia:

– Ô de dentro, é o Jorge. Tô aqui com o facão em punho pra matar...

“Pronto, minha alma foi de vez pro brejo! Hum! que cheiro é esse... Será de alma esturricada?! Jurado de morte é o que tô. E o santo resolveu se abalar até aqui pra adiantar o serviço, recebendo, pessoalmente e com sangue, a maldita dívida” – deduziu, baixinho, enquanto se recompunha do tremendo susto. E tentou enrolar o lá de fora:

– Se amofine não, meu santo!. Olhe, volte pro sossego do seu altar que amanhã, nem que seja montado no rabo do primeiro sol, chego com o dinheiro. Agora, vá cuidar dos pedidos dos seus devotos, vá!

Preocupado com o sumiço do sacristão, mais para sacripanta, o vigário pediu a um amigo do procurado que descobrisse o sucedido.

– Sacristiano, ocê taí, sujeito? Aqui é o Jesus...

“Agora, sim, tô deveras perdido, e sem chance de salvação! O próprio Jesus, em pessoa e voz, me cobrando a dívida. Já sinto em definitivo minha alma churrascada no inferno! Mas, perdido por um...” – pensou com voz rateada. O jeito, ganhar tempo. Então, foi incisivo:

– Olá, Senhor Jesus, vossa bênção! Olhe, não vou abrir a porta porque a noite tá danada de feia, raivosa e traiçoeira, não convém lhe dar moleza, né? Vai que um raio mais atrevido se aproveita de meu descuido... O amigo é santo, tá protegido, mas esse pecador aqui, não. Mesmo assim, é melhor se recolher. Nada de confiar demais no próprio taco, pois os raios não respeitam ninguém, pergunte a seu Pai! Então, assunte, meu irmão, volte pros seus aposentos no paraíso, que, pelo andar das cobranças, não demora, a gente se topa por aquelas bandas. Já tô quase de posse da passagem... Agorinha mesmo, se bobeio, tinha embarcado, e o senhor já teria notícias minhas. Bastava eu ter deixado o santo – São Jorge, meu credor – entrar, com aquela enorme espada, que, a estas horas, já tava a caminho do além, todo espadaçado. Vou lhe propor um trato, Jesus: já que tô jurado de morte, pago a dívida diretamente pro senhor, sim, mas só quando chegar lá, combinado? Diga isso ao Jorjão.

Um 2012 de muitas renovações, muitos sonhos robustos e emoções em profusão, leitor.

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