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domingo, 15 de maio de 2011

OUSADIA DE PESCADORA...?!

Lêda Selma

Fiquei pasma! E não era para menos. Até aquele outro pescador, aquele do peixe que cresceu no frízer, mesmo depois de morto, ficaria rubro de espanto.
Nem feia nem bonita. Os apetrechos físicos... bem, para uma preferência não muito exigente. Boa de assunto e de trejeitos. Simpática em seu sorriso alvacento e, como a dona, também falante. Ela, a mulher do vestido de estampas florais tomara que caia, tornou-se atração em nossa mesa.
A zanza do churrasco cheiroso, por entre os festeiros, atiçava não só o paladar, mas, sobretudo, a imaginação da declarada pescadora, cujo marido limitava-se a liberar uma risada a cada manifestação acintosa de tanto exagero.
Sua tralha, contou-nos, bastante sortida: iscas naturais de todas as procedências e nojos, iscas artificiais de todos os tipos, brilhos e tamanhos. As varas? Um arsenal de dar água nos olhos e inquietação nas mãos; de espessuras e comprimentos vários, à altura do mais requintado gosto e da mais peculiar necessidade. Ah! e os anzóis?! Uma coleção enorme. E, se dependesse deles, nenhum peixe escaparia. Molinetes, carretilhas, linhas, tudo importado e, por isso mesmo (ai, ai...!?), tope de linha: na qualidade e na quantidade. Para desgosto do peixe e orgulho da pescadora.
O marido, não afeito a pescarias, continuava ali, com o riso à flor dos dentes, só escutando, como se aguardasse o momento ápice de um desfecho surrealista, com a mesma expectativa do menino prestes a ser flagrado em uma travessura daquelas.
– Não só adoro – ah! e quanto! –, mas, acima de tudo e de todos, sou especialista em pescaria. Nenhum homem é páreo pra mim. Os peixes, de longe, pressentem minha chegada e aí, nossa! é um alvoroço sem fim, pois já imaginam que é impossível fugir do destino que lhes tracei. Acho que me percebem pelo cheiro, só pode ser. Cheiro vazado de minha gana em capturá-los exaustos e rendidos.
Nesse ponto, o marido interferiu:
– Realmente, ela é pescadora de mão, mais precisamente, de anzol cheio. Pesca de um tudo, a especialista: em especial, tocos, bolos de linha, farrapos de pano, anzóis quebrados, carcaças, insetos e, é óbvio, habitantes vivos do rio: piranhas, azulões, peixotes e, vez ou outra, um peixe de reputação mais conceituada.
A pescadora, com os brios desbriados pela ofensa, preparou uma saída triunfal, à moda político-raposa ao tentar se desfazer da saia peada, após acuado pelo adversário:
– É, não há dúvida: inveja rala é cobiça, inveja densa é despeito... Ele sabe muito bem que, na arte de peixar, sou o Schumacher do rio: poderosa, recordista, imbatível. A cada colisão do anzol com a água, os peixes, atarantados, tentam debandar e, então, é um Deus me turbine as barbatanas!, de dar o maior tremelique na vara.
Curiosa, tentei adivinhar o final da história, prevendo um desfecho do tamanho da imaginação do mais legítimo pescador, aquele capaz de fisgar o coitado até com a força do pensamento. E a simpática senhora, varada pelo anzol da maledicência, ou seja, pela língua viperina do marido, que deslustrava seus feitos peixídicos, resolveu afrontar a lógica:
– Faz pouco tempo. Estava à caça, quero dizer, à pesca de um Pirarucu. Sei da proibição, calma! Mas sabia também que o pobre, devido ao baixo nível das águas, em várias partes do Araguaia, não raro, morria encalhado por entre matas e lamaçais. Então, pensei: se a natureza pode cometer suas infrações, por que não eu? Afinal, quem não arrisca não peixisca. Além do mais, era o único troféu que me faltava, o tal peixão. Bem, pescar, pescar, não pesquei. Guinchei. Quase sem forças, mas gigante como nunca, o tal, sequer, coube na lancha. Uma enormidade nunca vista. E sabem o que fiz com a descomunal espinha do sem-igual? Uma pinguela. Pra encurtar a travessia do rio.

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