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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Pois é, Valter - Diário da Manhã - 24/4/11

POIS É, VALTER...
Lêda Selma
Uma semana em colóquio com a natureza, sobre as gorduchas águas do Rio Paraguai, calmas e claras, às vezes; escuras, por outras; não raro, azuladas ou de um marinho azul com cara de céu enfezado, o que lhe dá um charme peculiar. Parênteses: que não me tomem por deselegante ou ingrata, e que me perdoem os mato-grossenses, porém, apesar de toda essa beleza e aconchego, e sem qualquer ranço bairrista, o Araguaia é inigualável, ah! se é...!
No aeroporto de Cuiabá, o ônibus, equipado com muito conforto, esperava pela turma animada (onze casais e dois pares de solteiros circunstanciais) para o traslado até Cáceres/MT, onde a navegação se iniciaria. Todos a bordo do Barco-hotel São Lucas do Pantanal, elegante em seus quatro andares, suítes, restaurante, sala de tevê, tudo munido de ar condicionado (também, pudera, um calor esturricante!). Ah! do convés, à noite, a sensação fantástica de que seríamos tocados pelas estrelas, a qualquer momento, tamanha a proximidade! Como nada é perfeito, a lua não estava cheia, que pena!, e sim, em estágio crescente adiantado. Detalhe significativo, sem dúvida, todavia, não bastante para nublar o encanto da viagem.
Pois é, Valter, uma experiência e tanto. Deslizando rio afora, esbarrando ora no sol, ora na lua, que se refestelavam no rio como se seu leito alcova de amantes fosse, ou no barco a motor (outro pormaior: um barco para cada casal, com piloteiro, iscas, bebidas, tira-gostos), saíamos à cata dos peixes, escondidos sob as farturentas águas. Um segredo, primo: pesquei três cachorras, uma piranha, alguns tocos e garranchos devolvidos, obviamente, ao rio, acredita?! Justo eu, pescadora de dourado! Que o diga o Rio Cuiabá.
O vento instigava-nos com seu bailado impetuoso e úmido, e nos trazia odores, sons variados e o estardalhaço das gralhas, araras, pássaros diversos, macacos... Ah! e as garças, brancamente imóveis, como obras de arte lavradas em alabastro, a margearem imponentes o rio?! De repente, uma ariranha, ainda bebê, à procura de esconderijo, assustada com o barulho do barco. Uma lindeza estonteante!
“Inclua-me no próximo passeio ao Pantanal”, você me disse, Valter. Empolguei-me. E agora?! Ah! e o que direi ao Araguaia, e lá, ao Lago São Joaquim, que o esperam a cada julho?! E nossa viagem à Capadócia, região histórica, única em paisagens exóticas e singulares, incrustada no pedaço asiático da Turquia?! Combinamos conhecê-la em 2012, logo após aposentar-se na UFG, acompanhados de nossos pares, claro! Um dia, haverá de explicar-me sua mudança de planos. Mas, antes, tirei satisfação com o Pai. E fui incisiva no desabafo: que rasteira o Senhor me deu, mais uma vez e em mais um abril, hem?! Não me alivia, entretanto, reconheço, o Senhor permitiu ao Valter esperar que voltássemos do Pantanal... Bem, como de hábito, Ele, silencioso, ouviu minha queixa, certo de que sabe o que faz. Onipotência é onipotência!
Eta, abril! Um outro marcou-me a alma, a ferro, numa terrível Semana Santa. E vivi minha Sexta-Feira da Paixão! Só quem sentiu dor tão abissal pode avaliá-la.
Estrelizar-se prematuramente, no Domingo de Ramos, que surpresa doída, criatura! De súbito, sua ausência física, ostensiva, a cutucar-nos lembranças, momentos, encontros festivos... Seu violão desentendido, solitário, sua voz, mesmo inaudível, a cantar “Cotidiano”, “Paciência”, “Companheiro”, “Felicidade”, “Mulher eu sei”... Seus pais, seus filhos, sua mulher, seus irmãos, familiares, amigos, colegas... Todos perplexos!
Pois é, Valter... Foste embora no silêncio,/tão cedo, antes do tempo,/quando teus sonhos enchiam/de vida e luz teu caminho/do tamanho do sem-fim.//Antecipaste a hora/em que o silêncio se eterniza,/e deixaste em cada canto,/tantas porções de teu canto,/tua emoção, alegria,/feito saudade curtida./E teus sonhos, meu amigo,/sei, o tempo guardará/na estrela que amanhece/na esperança que enternece/no sol que explode em riso/lá no topo das manhãs.

2 comentários:

  1. POIS É, LÊDA... Você me emocionou muito na bela crônica para o VALTER, exatamente na poesia final. Ele deve ter sido um cara maravilhoso, que partiu cedo demais, assim como meu filho SISENANDO GONZAGA JAIME NETO, que "subiu fora do combinado" (como diz o BOLDRIN), tendo só 23 anos (26-05-87/19-06-10). Também tirei - e ainda tiro - satisfações com o Homem Lá de Cima: que rasteira em God? Logo no dia do meu aniversário você me tira uma das razões da minha vida? E agora, Lêda, e agora, José? Nunca mais poderei fazer festa de aniversário? Diga-me em qual estrêla está morando o meu garoto!!!!!!!!
    Rubinho Jaime - ANÁPOLIS.

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  2. Oi, Rubinho, que bom recebê-lo aqui! Olhe, também perdi um filho de 21 anos, e jamais me recuperei de tamanha tragédia; digo sempre, que, ao perdermos um filho, somos sentenciados à dor infinita, pois ela nunca nos deixará. Sei, sim, e como!, a dimensão de sua dor, a perplexidade diante dessa perda incomensurável. Seu aniversário está fadado a uma lembrança dolorosa, será sempre um dia triste, infelizmente. Mas o tempo, mesmo não desmanchando os estragos de nossa tragédia, ameniza a revolta e engana nosso sofrimento. Seu filho, assim como o meu, estrelizaram-se, são as estrelas mais bonitas e cintilantes do céu. Abraço. Lêda

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