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sábado, 15 de janeiro de 2011

DIÁRIO DA MANHÃ - 15/1/11

ALÉM DO SUSTO REMORSO

Lêda Selma



– Isso foi há muito tempo. Nunca passei um apuro tão grande. Escapei por pouco. No momento, só consegui invocar Nossa Senhora dos Apurados, santa que inventei no auge do desespero. E não é que a bendita me valeu?! Os maridos afeitos a peraltices descartáveis, aquelas pra espantar o marasmo da rotina sob os lençóis domésticos, podem confiar na inventada, pois ela tem o maior prestígio na Instância Superior.
– Mas, e então? – atalha um dos ouvintes.
– Ah! sim: estava eu numa daquelas estripulias extraconjugais, daquelas com pinta de reativar até vulcão inativo, com uma louraça de mão, voz e lábios venenosos, corpo apetitoso, um mulheraço de dilatar as pupilas de qualquer cego, quando...
– Que mal lhe pergunte, estava o amigo onde?
– Ora, num motel, isto é, adentrando o próprio. Hum... mas já sentia os efeitos antecipados dos momentos vindouros.
– E daí?
– Daí que, súbito, divisei minha esposa, com aquela panca de mulher elegante, cheia de vida, a bordo de seu chevette vermelho, acompanhada de um rapaz bem-ajambrado, alto, fortão, e deduzi: o tal ajudante, escolhido a dedo, para cuidar de seu material de trabalho.
– Está explicado o susto... – interferiu um outro.
– Pois então. Susto e remorso. É, amigo, me bateu um remorso, um comichão na consciência, que só vendo. Pensei: castigo! E merecido, afinal, não era justo a coitada, ali, em serviço, pronta pra pegar no duro, e eu pronto pra vadiar...
– Agora, desentendi de vez, criatura. Você vadiando, sua mulher chegando num chevette vermelho pra trabalhar... Ela trabalha no motel...?!
– Trabalhar, trabalhar, não. Ela roda ali, acolá, fazendo uns bicos, biscate, entende?
– Se entendo... Entendo, e como!
– E lá deve ser propício pra mostrar e demonstrar a qualidade do seu produto que, aliás, garanto-lhes, é de primeiríssima!
– Imagino...
– E o melhor é que o moço, o ajudante, um Arnold Schuaznega melhorado nunca deixa a pobrezinha na mão, está sempre com ela. Ah! esqueci de dizer que minha gansa (é assim que a trato carinhosamente) é revendedora de produtos de beleza e de limpeza!
– Gansa... decerto, com ç, gança... Ih! deixa pra lá!
– Você e seus trocadilhos, piadista como sempre, hem?!
– Trocadilho, é...?! Bem, curiosidade indiscreta, pergunta maldosa:
E a louraça, dilatou a pupila do “cego”? – arriscou, com ironia, o desentendido, ou melhor, nem tanto.
– Uma catástrofe, meu caro! Além de quase ter morrido de susto, ainda fui vencido pelo remorso. Também, aquela desmancha-prazeres – brincadeira, tadinha de minha esposa! – precisava aparecer justo naquele lugar e justo naquele momento pra me deixar todo penitenciado?! E o vexame, então? Completo. E não houve mais santa que desse jeito de levantar meu astral. Até hoje, não sei o que aquela louruda ficou pensando de mim. Só sei que tive muita sorte, porque se minha mulher tivesse me visto, além da decepção de ter descoberto o tremendo infiel que sou, a estas horas, eu estaria no olho da rua ou com o passaporte carimbado para o inferno. E casamento é coisa séria, a gente não pode acabar com ele assim, sem mais nem menos, por culpa de um marido que adora traquinar nos compartimentos femininos alheios. Arre!!!

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